28.1.09

Panela serve é pra bater

Foi em 1966 que a revista inTerValo, especializada em TV, soltou a bombástica manchete: “Erasmo Carlos denuncia panelinha da Bossa Nova”. Na época, na crista da onda, recusando três convites para participar de espetáculo por falta de tempo, o Tremendão não tinha papas na língua. Afirmou categoricamente que o samba bom não tinha jazz e nascia no meio do povo. Tamanha revolta vinha do fato de que, apesar de ser um “estouro” de vendas, os críticos ignoravam Erasmo. E os cantores e “disc jockeys” (yes, era época deles), geralmente adeptos da Bossa Nova não o diferiam dentro do grupo da Jovem Guarda, tidos como “debilóides” e “sub-músicos”.

Na entrevista concedida à revista, o Tremendão profetizava que a Bossa ia acabar se continuasse esnobe e afastada do povo. E muito sensato foi pré-tropicalista ao questionar: “Como é que têm coragem de nos acusar de cantar versões e músicas estrangeiras, se eles enfileiram o jazz na sua musiquinha nacional?”. Para Erasmo o pedestal da Bossa Nova não existia e citava como exemplo Jorge Ben: “entrou pra nossa turma com armas e bagagens e ganhou uma popularidade nunca vista. Chegou a chorar em Belo Horizonte, quando um auditório de dez mil pessoas começou a cantar em coro o Ninguém Chora Mais. Bossa Nova faz isto? Bossa Nova tem essa intimidade com o público? Era um auditório da Jovem Guarda, morou?”


(Clique na imagem e veja a entrevista na íntegra)

É bem verdade que o Tremendão deixou escapar um certo reacionarismo aqui ao defender um samba puro. No entanto, estamos impedidos de ser categóricos quanto a isso, já que ele defende a dita impura Jovem Guarda. Está evidente aqui seu discurso típico do mal estar dualista da mentalidade do artista brasileiro. Apesar de menos explícito, o músico no nosso país continua como na época do iê iê iê (embora de forma mais disfarçada), condenado a oscilar entre o local e o universal, o seu e o outro, o moderno e o arcaico e etc.

O que Erasmo Carlos não via é que a Bossa Nova inaugurou uma linguagem inventiva que quebrou antigos chavões parnasianos na música brasileira. Sim, reuniu o sofisticado Jazz americano à simplicidade de rimas pobres que traduziam o cotidiano das cidades, principalmente a carioca. Este lirismo não impediu as canções de protesto que desvelaram para o Brasil o potencial criativo das periferias. E no meio disso tudo, a entorpecida Tropicália desbravou caminho com golpes de cores, desbancando definitivamente a linearidade tradicional da construção musical. A Jovem Guarda persistiu incessantemente ora em releituras discretas, ora de formas mais escancaradas no decorrer do tempo. A Bossa Nova desceu do pedestal invisível denunciado por Erasmo ao ser cantada por Roberto Carlos e Caetano Veloso – o que prova que tal pedestal era realmente invisível. Vimos Chico Science e sua Nação Zumbi levar ao extremo os delírios bi-tri-polipolares da música brasileira. Tom Zé continua experimentando como uma criança que descobre o mundo… Enfim, é essa a nossa cultura musical.

O problema é que apesar deste potencial todo e de sua história, que destrói todo o equívoco do conceito de “novo” e sua banalidade, a dita MPB é hoje a coisa mais chata da qual se tem notícia. E o motivo é evidente: a negação de sua afinação caótica e alegre. Salvo alguns raros artistas, mesmo aqueles que se diluem no multiculturalismo em voga, acabam em sua maioria ou caindo na neurótica bipolaridade do século passado expressa pelo Tremendão, ou transformando seus experimentos potentes em receitas insossas que se adaptam facilmente em trilhas sonoras de novelas e repertórios de cantoras de churrascaria. Exemplo? Los Hermanos e premiados nos tais Grammys tupiniquins.

Ouça de um tanto disto aqui