28.2.09

Para quem quer encontrar vida dentro do corpo.



Comece despretensiosamente com Return to Hot Chicken. Escute o baixo de James McNew na canção Moby Octopad e, ao fechar os olhos, verá que eles percorrem a imagem distorcida de uma janela de trem. Seja este ou não um bom dia, em Sugarcube não se deixe levar pela voz doce e a bateria vulgar, a guitarra de Ira Kaplan (ou seria de Dave Schamm?) pode espremer sangue de sua doçura. E se seu coração estiver partido, Damage escorrerá por suas mãos. A cada faixa você irá cada vez mais fundo em si mesmo, é o que avisa Deeper into movies ao cavar sensações a cada acorde. A voz doce de Georgia Hubley em Shadows te colocará no colo de suas sombras. E, neste momento, já será tarde demais. Mesmo livre para ir onde quiser, estará com Stockolm Syndrome. Bongôs entrarão no seu Autumn Sweater e você sentira o suor de quem luta com todos os sentimentos. E tudo jamais tem uma uniformidade entediante porque neste momento Little Honda aumenta seu ritmo vertiginosamente. Mas não exploda, não ainda! Tente se acalmar com o coral de grilos unidos à guitarra que só falta falar em Green Arrow até toda mágica recomeçar com a voz cansada de Kaplan. Pronto, você está sobre a magia do betume novamente com The Lie and How We Told it, onde o Yo La Tengo, com uma batida bossa nova, tentará mostrar onde está o Center of Gravity. Depois de escutar Spec Bebop, vai duvidar quando eles falam We’re na American Band. Porque quando eles colocam você no My Little Corner of the World, é como se seu quarto fosse o único país no mundo todo.

I can Hear the Heart Beating as One!

Você quer escutar também? Clique aqui(arquivo torrents).

9.2.09

Comédia del art do rock



Descontrolei todo meu sono este fim de semana. Já não bastasse acordar todo dia meio dia me tornando uma pessoa suspeita e perdendo algumas oportunidades. As idéias vieram todas, este foi o caso. Eu deveria estar comemorando, mas elas vieram em parábolas intuídas. Não conseguia organizá-las e foi imperativo me deixar levar por músicas. O dia chegava e eu dizia a mim mesma: só mais um bônus track. Resolvi não fazer disso um complexo e dei intensa liberdade pro sono; na hora que viesse, eu dormiria. Também não culpei o café, este jorro escuro que faz brilhar todo meu organismo. O resultado foi altamente prolífero, quase gastei um caderno inteiro com o pouco que pude extrair da tempestade. Redescobri o ato de escrever com as mãos e rascunhar. Nos intervalos, entrei em êxtase com Clapton. Layla and other assorted love songs é a melhor versão de todos os tempos de estar apaixonado pela namoradinha de uma amigo meu. Puta merda! Eu tive vontade de gritar. Imaginei-o terminando sua obra catarsiado e intuindo secretamente que depois daquele o golpe de misericórdia seria dado: Pattie Boyd seria dele. Meu príncipe! Encontrei-me totalmente apaixonada, embora ame o dragão da história, George Harrison. Talvez seja porque sou uma Colombina, mais pra Arlequina, vai saber. Dolores Duran passou por aqui e me disse que a solidão ia acabar com ela. Se eu pudesse voltar no tempo, a salvaria com Eric.

Para quem não sabe, este disco de 1970 foi feito quando Clapton amargava uma dor de cotovelo daquelas depois de se apaixonar pela mulher do melhor amigo, o então George Harrison. Pattie Boyd, que estava com o beatle desde a época do iêiêiê depois de ser promovida de groupie a esposa, não foi a culpada pelo fim de uma das amizades mais fecundas da história da música. A coadjuvante foi a musa de um dos melhores discos da história da música.


Torrents para o disco aqui

8.2.09

Profecia de Irará

“... pensar é uma coisa desaforada”.TZ




Depois de morder, agora quero assoprar. E para tanto escolho Tom Zé. Chamá-lo de profeta seria um exagero, ou mesmo até um clichê, mas rendo-me a esta palavra porque não encontro outra similar para descrever sua posição, em 1999, numa entrevista a revista Caros Amigos.

O que desespera é que são todos contra Feagacê, todos odeiam, mas, na hora de agir, fazem a mesma coisa que Feagacê faz. Isso é triste, que diabo de coisa fizemos para receber um castigo desses, imitar Feagacê? Procedemos assim porque não temos em disponibilidade outra estrutura de pensamento, estamos falidos de utopia e depauperados de filosofia, somos na verdade governados pela USP e por um professor chamado Fernando, que dirigiu o departamento de filosofia e agora usa o nome artístico de Feagacê.

Mas antes de ser profeta ele é um apaixonado, na verdade:

Os Sertões foi o livro que me tornou analfabeto. (...) Pedro Taques disse, endossado pelo próprio Euclides, que os nordestinos são na verdade os primeiros bandeirantes e, porque ficaram insulados naquela região, sem comunicação, acabaram se tornando paulistas que mais puros se conservaram. Quer dizer, nós somos a fina flor da paulicéia (...). O sertanejo é diferente, e é esse tipo de analfabeto que eu sou e que Os Sertões me mostrou que era o que eu devia continuar a ser. O sertanejo tem que falar cultura, dançar cultura, cantar cultura, fazer pentimento dos conhecimentos esotéricos da paisagem das caatingas, num constante esforço para não perder a cultura dos seus avós, que ele ama mas não tem como registrar. Essa cultura é muito diferente da nossa, é um processo de estruturação lógica que não conhece Descartes e Aristóteles e que não está fundado na palavra escrita.
Bem, ali estava eu, assustado com o livro que se referia diretamente a uma coisa que eu conhecia, intuía, mas não tinha capacidade de descrever em palavras, eu duvidava: ‘meu Deus, será possível?’ E, quando você não tem a palavra para intermediar sentimento e o corpo, você fica com os nervos nus, expostos a uma espécie de febre... Bem, nós chamamos isso de emoção.


Na verdade, o que a cabeça mais fecunda da nossa música faz é botar em movimento a força do imprevisível das artes a partir unicamente dos poderes da memória, de linguagens crioulas e outras miscelâneas típicas da cultura brasileira. Escutar suas músicas sempre equivale a ser seqüestrado pelo imaginário utópico das nossas coletividades que tanto negligenciamos. Com ele conseguimos nos nomear, criamos vozes e percebemos o que mais em baixo eu chamei de polipolariadade, para diagnosticar o delírio fecundo que é a tal de MPB.

Se você não conhece e deseja ver como ele funde suas idéias harmonicamente à música, leia isto e depois escute.

7.2.09

Go-go bizarrices


Quem costuma dar uma checada nas minhas playlists já deve ter notado a constante presença de uma moça chamada Nancy Sinatra. Sim, não é por acaso este sobrenome, ela é mesmo a filha do grande Frank. Também ela não é um grande achado. Sua carreira apenas não teve mesma expressão que a do pai.

Dona de um hit só, lançado na metade dos anos 60, These Boots Are Made for Walkin se tornou um hino do movimento feminista. Através dele a mocinha pela primeira vez pôde exibir sua sensualidade sem perder o charme virginal, característica do que viria a ser o go-go boots, um clássico dos sixties. Em 1968, ela atuou com Elvis Presley no filme Speedway, mas foi outro filme que ressucitou sua carreira. Graças ao faro apuradíssimo de Quentin Tarantino para o kitsh, nossa geração teve acesso à belíssima Bang Bang, que está na trilha sonora de Kill Bill.

Eu preferi dar uma de Tarantino e baixar alguns CD's seus pela net. O garimpo não foi fácil, tive até que voltar à boa e velha mula. E para minha surpresa fui muito feliz. A parceria de Nancy com Lee Hazlewood, que escreveu, produziu e cantou com ela muitas de suas músicas, é uma das melhores coisas para filas de banco. Apesar d’eu achar que vez ou outra eles pesam a mão no country, a bizarra, misteriosa e inesperada Some Velvet Morning já está na lista das minhas 100 músicas preferidas.
Se quiser garimpar também, clique aqui.

4.2.09

Playlist para putas tristes



“(…) a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. Quando meus gostos musicais entraram em crise me descobri atrasado e velho, e abri meu coração às delícias do acaso”. Gabriel Garcia Márquez

1. Cinco Minutos – Jorge Ben
2. Celos - Gotan Project
3. Rocks with Holes – Kimya Dawson
4. Death of Clown – The Kinks
5. Don’t let him waste your time – Nancy Sinatra
6. Loin des villes – Yann Tiersen
7. Heart of glass – Nouvelle Vague
8. Golden Years – David Bowie
9. Drama Universal – Zé Ketti
10. Moanin' Low – Billie Holiday