“... pensar é uma coisa desaforada”.TZ
Depois de morder, agora quero assoprar. E para tanto escolho Tom Zé. Chamá-lo de profeta seria um exagero, ou mesmo até um clichê, mas rendo-me a esta palavra porque não encontro outra similar para descrever sua posição, em 1999, numa entrevista a revista Caros Amigos.
O que desespera é que são todos contra Feagacê, todos odeiam, mas, na hora de agir, fazem a mesma coisa que Feagacê faz. Isso é triste, que diabo de coisa fizemos para receber um castigo desses, imitar Feagacê? Procedemos assim porque não temos em disponibilidade outra estrutura de pensamento, estamos falidos de utopia e depauperados de filosofia, somos na verdade governados pela USP e por um professor chamado Fernando, que dirigiu o departamento de filosofia e agora usa o nome artístico de Feagacê.
Mas antes de ser profeta ele é um apaixonado, na verdade:
Os Sertões foi o livro que me tornou analfabeto. (...) Pedro Taques disse, endossado pelo próprio Euclides, que os nordestinos são na verdade os primeiros bandeirantes e, porque ficaram insulados naquela região, sem comunicação, acabaram se tornando paulistas que mais puros se conservaram. Quer dizer, nós somos a fina flor da paulicéia (...). O sertanejo é diferente, e é esse tipo de analfabeto que eu sou e que Os Sertões me mostrou que era o que eu devia continuar a ser. O sertanejo tem que falar cultura, dançar cultura, cantar cultura, fazer pentimento dos conhecimentos esotéricos da paisagem das caatingas, num constante esforço para não perder a cultura dos seus avós, que ele ama mas não tem como registrar. Essa cultura é muito diferente da nossa, é um processo de estruturação lógica que não conhece Descartes e Aristóteles e que não está fundado na palavra escrita.
Bem, ali estava eu, assustado com o livro que se referia diretamente a uma coisa que eu conhecia, intuía, mas não tinha capacidade de descrever em palavras, eu duvidava: ‘meu Deus, será possível?’ E, quando você não tem a palavra para intermediar sentimento e o corpo, você fica com os nervos nus, expostos a uma espécie de febre... Bem, nós chamamos isso de emoção.
Na verdade, o que a cabeça mais fecunda da nossa música faz é botar em movimento a força do imprevisível das artes a partir unicamente dos poderes da memória, de linguagens crioulas e outras miscelâneas típicas da cultura brasileira. Escutar suas músicas sempre equivale a ser seqüestrado pelo imaginário utópico das nossas coletividades que tanto negligenciamos. Com ele conseguimos nos nomear, criamos vozes e percebemos o que mais em baixo eu chamei de polipolariadade, para diagnosticar o delírio fecundo que é a tal de MPB.
Se você não conhece e deseja ver como ele funde suas idéias harmonicamente à música, leia isto e depois escute.
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